Dr. Claudio Suzuki

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    Um magistrado do Rio processa o condomínio onde mora para ser chamado de "doutor" pelo porteiro. Outro, de Franca, manda prender um policial de trânsito que lhe repreende por falar ao celular no volante.

    Um procurador de São Paulo ameaça prender uma aluna que questiona seus métodos de ensino na aula.

    Comportamentos como esses envolvendo autoridades brasileiras são mais comuns do que se imagina.

    Tornaram-se, inclusive, alvo de um trabalho de uma associação dirigida por juízes, promotores e advogados espíritas.

    "Esse é um dos problemas crônicos do sistema de Justiça brasileiro. Há um problema comportamental que envolve vaidade e prepotência", afirma o promotor Tiago Essado, presidente da AJE (Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo).

    "Não estamos nos excluindo desse comportamento. Estamos reconhecendo o problema e a necessidade de modificá-lo. Fazemos reformas nas leis, mas, às vezes, o problema não está nela. Está na postura", afirmou.

    Desde 2009, a associação vem promovendo palestras e videoaulas para tentar ensinar aos colegas (atuais e futuros) como lidar com seus cargos tão poderosos sem ser absorvidos por eles.

    A tarefa não é simples. Especialistas dizem que a sensação de poder chega a provocar prazer, pela endorfina, em algumas pessoas.

    Essado estima que cerca de cem juízes e promotores já tiveram a aula "O Exercício da Autoridade com Humildade".

    A AJE, que também defende o uso de cartas psicografadas em processos judiciais, tem mais de 400 associados.

    As palestras presenciais são gratuitas, marcadas de tempo em tempo. A videoaula é vendida pelo site www.ajesaopaulo.com.br. O DVD custa R$ 15 (para sócio) e R$ 25 (para não sócio).

    ESTUDANTES
    O maior público é de alunos de direito. A associação visita universidades levando a mensagem e estima ter atingindo cerca de mil estudantes pelo país. Para especialistas, esse é o melhor público para ser abordado.

    Um dos principais palestrantes é o juiz Donizete Aparecido Pinheiro da Silveira, 55, de Marília. Na videoaula, o magistrado aconselha que a humildade seja treinada. "Mesmo que em um primeiro momento a humildade pareça falsa, é preciso insistir. Precisa ser desenvolvida."

    Entre as dicas, o magistrado fala da efemeridade das pessoas diante de suas funções. Da diferença do ser e do estar das profissões.

    "A autoridade precisa saber que está juiz, e não é juiz. O mandato se perde", afirma.

    O magistrado pode até resistir em deixar o cargo, explica, mas esse dia vai chegar mais cedo ou mais tarde até porque existe um mecanismo legal para "expelir" os resistentes, chamado "expulsória". "Quando completa 70 anos, ele entrega a toga, coloca pijamas e vai para casa", completa o magistrado.

    Também argumenta que as autoridades não têm o poder que elas acreditam ter. A força é da lei, que as autoridades precisam respeitar.

    À Folha Silveira diz que a intenção do trabalho não é ensinar, mas argumentar que é possível exercer a autoridade com humildade.

    "O exercício da autoridade dispensa a conduta prepotente, arrogante, violenta ou permissiva de quem ocupa um cargo público."

    Julgar traz sensação de poder, diz psicóloga

    Para a psicóloga Liliana Seger, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, a função de julgar o destino das pessoas traz aos juízes uma sensação muito grande de poder.

    Essa sensação, também observada em outras profissões relacionadas a poder, como a de promotor, chega a liberar endorfina no corpo, o que faz a pessoa sentir prazer. "Quanto mais atua, mais ele se sente poderoso. E não tem ninguém acima dele para dizer: para!", afirma.

    A psicóloga diz acreditar que, por isso, as aulas de humildade da associação só serão assimiladas por pessoas já inclinadas à humanidade e não deverão surtir efeito em quem tem soberba.

    "Elas vão dizer: `que bobagem. Você acha que vou seguir essa lorota de ser bonzinho?' Não pega. Vai pegar em quem já tem esse perfil."

    Liliana diz que os juízes e promotores com esse tipo de comportamento muitas vezes não têm noção disso. Não percebem, por exemplo, nem que maltratam seus subordinados.

    "Acham que estão acima do bem e do mal. Se humilham um funcionário, até pensam que estão ajudando. `Mostrei como é a realidade dos fatos'", afirma.

    Liliana diz que, para ela, o trabalho da associação pode surtir melhor resultado nos estudantes, mas as aulas precisam ocorrer com alguma regularidade. "Se vai às faculdades e trabalha muito isso, pode ser maravilhoso, porque o professor é exemplo", diz.

    Até porque, segundo ela, muitos profissionais soberbos dão aulas e acabam passando uma mensagem errada de que, para ser bem-sucedido na carreira, precisa ser assim.

    "É um modelo inadequado, mas para eles é adequado porque a pessoa se deu bem. Ainda é muito associado o fato de que ser bravo, ser duro, é ser competente. Pelo contrário. Quanto menos soberbo, mais competente."

    Extrapolar não é comum, afirma procurador-geral

    O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella, diz que os casos de autoridades que extrapolam os limites de seus cargos não são comuns.

    "Existem, mas são raríssimos", afirmou. De acordo com o chefe do Ministério Público paulista, a maior parte dos promotores age com bom senso e equilíbrio, porque cumprem a lei e se pautam pelos ordenamentos jurídicos.

    "A pessoa precisa ter a exata noção das responsabilidades da função, de que é muito mais para servir."

    Sobre o comportamento de juízes e promotores, Grella afirma que ações praticadas por autoridades têm uma repercussão muito maior do que quando se trata de pessoas comuns.

    Por isso, na opinião do procurador, há a necessidade de um cuidado especial.

    "É preciso ter um cuidado, mesmo com os atos da vida pessoal, até pelo simbolismo muito forte de ter sido praticado por alguém que exerce um cargo no Ministério Público, na magistratura. Um ato que qualquer outro poderia praticar e não ter um impacto, uma repercussão social."

    Fonte: Folha de São Paulo por ROGÉRIO PAGNAN de SÃO PAULO

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